segunda-feira, 31 de maio de 2010

Despertar-se

Pútrido, meu corpo despertou-se assim. O peso das coisas terrenas e carnais, vividas e sentidas, durante este longo período que sigo existindo, pesa cada vez mais. O etílico corrompe minha moral transformando-me em amoral. Minha eficácia degrada a todo o momento. Meu Eu desaparece paulatinamente. Depaupero minha vida e meus amores.

sábado, 29 de maio de 2010

Inerte

Meu corpo arde, derrete. Fico inerte frente ao espelho. Não consigo mais mover um músculo sequer.

Meus olhos me comem com a fúria louca de um louco descomedido.

O que fazer para controlar esta louca vontade de louco de mais uma vez voar?

O amor não tem o mesmo peso do algodão preso às plumas do meu travesseiro. Não tenho mais... perdi por ali. Maldito seja quem inventou.

Inventou? Inventamos?

Volto-me ao espelho. Meu mundo ebâneo. Mundo que pertenço e amo. Nasci assim. Errado.

Venha!, derreta-se em meu corpo de promiscuidade. Estou aqui, parado, inerte, derrete, arde.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A praga

Com o rosto escondido entre as mãos, no escuro do seu quarto, ele se desespera ao notar que mais uma vez ela o deixou. Céptico do amor dela para com ele, afinal era a décima vez que isso acontecia, ele chorava copiosamente. O coração apertado, ânsia louca e ininterrupta. O sono o abandonara também naquela noite. Noite igual às de outrora em que já estava cansado de vivê-las.

Sabia a decisão certa a ser tomada. Os laços do enlaço deveriam ser desatados. A dor de um fétido amor tinha que se afastar de sua casa. Com coragem, deveria colocar este sofrimento na prateleira e deixá-lo lá. Junto com outros desamores do passado. Nem altar, nem beatificação e nem ao menos uma punheta ele, o amor maldito, merecia.

Com a certeza encarnada em seu corpo, levantou-se da cama. Caminhou até a cozinha, colocou o café no filtro, ligou a máquina e esperou o líquido preto e forte ficar pronto. Com a xícara já ocupada pelo salvador líquido, olhava pela janela os pombos no telhado em frente. O aroma do café o despertava para a vida. Vida que, a partir daquele momento, seria de festa, alegria e devoção.

O suor daquela noite escorria pelo corpo. Levava, enfim, o amor maldito e desafortunado. E abria espaço para um novo. Estava certo de que esta era a condição de vida que precisava. Amor novo!, de forma desabrida. Onde ele e ela iriam poli-lo e até chegar à perfeição. A maestria do sentimento seria alcançada em pouco tempo. Tinha certeza disto. Iria batalhar por isto. Esta seria sua nova forma de amar.

Convicto dos seus novos ideais, pega o telefone no bolso, disca o número e novamente suplica pela sua volta. Afinal, agora já sabia amar.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Advento do amor

Eu sonhei com você esta noite. Estava com o corpo desvisto entornado em minha cama de aço frio e cortante. Minha pele febril com o peso da falta do amor sentia a aproximação da tua. Esta que aflorara com o advento do amor.

Você chegou e me abraçou, num dos nossos mais longos e furtivos abraços. E com um tapa lançado à face, despertou-me do sono inócuo. Com sua imagem sentada ao lado do meu receptáculo de dor, senti a alegria vibrar onde já fora viril várias vezes ao te encontrar.

Com suas garras vermelhas, seu sorriso brando de branco, seus lábios perfeitos fui sendo degustado lentamente. Abriste meu invólucro e retiraste toda a dor que ali habitava. Minha virilidade reviveu. A alegria rondou todo o quadrado. O gozo de gozar novamente me fez uma pessoa viva. E você, se saciou com minha carne em seus dentes. Meu gozo em teu gozo. Minha pele na tua.

Depois de devorado, bruscamente e amadamente, sereníssimo fiquei. Imóvel, trajado do gozo que me deixaste. Iluminado pela alegria da vida que vivi mais uma vez. O aço cortante não mais me importunava. Brandeaste minha febre de pele. Afloraste o amor em mim.

Mesmo acordando para Dante, que antes não passava apenas de devaneios e agora é real, senti-me livre e leve. Radiante da noite de volúpia. Amado do amor que me visitou.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Maio e Junho

É maio. Na verdade, maio se finda. Maio maior mês do ano, ao menos para ela. Desde o início de sua consciência pensava em inferno astral em maio. Maio começava e as coisas apareciam: enxaquecas, dores, rugas, nervos à flor da pele, etc. Ano após ano, a batalha de maio era vivida.

Marcam-se milhares de coisas em maio: casamento, namoro, noivado, festas, churrascos. Diferente dos demais maios de sua vida, este foi especial. Renascimento no fim de maio. Reiniciar!, era tudo o que realmente precisava.

Durante alguns anos as coisas não estavam bem e vinham-se arrastando, dia após dia. Nada andava. O carro vivia com problema. A cadela amada vivia arredia no canto da sala. O afilhado querido sempre longe. A mãe com asma. E tudo piorava em maio.

Maldito maio – dizia a todo o momento.

Mas num belo dia de maio tudo muda. O telefone toca. O coração palpita. Um encontro marcado. Ela fica de ligar novamente. Outro encontro. A vida renasce. Horizontes se abrem. Sorriso aparece-lhe novamente na face de forma esplendorosa. Conversas sérias. Pendências resolvidas. Acertos feitos. Renascimento... renascimento!, e tudo na medida exata. Projetos novos a serem conquistados. Vida nova, tudo novo.

Salve junho – dizia a todos que encontrava. Mas esquecera-se que tudo começou no seu malgrado mês. E, mais uma vez, maio, o mês terrível, vai ficando para trás e levando os louros da glória para o teu próximo irmão. E junho começa sorridente agradecendo ao irmão mais velho o presente da vida.

p.s.: Em homenagem a sua nova vitória.

Renasceis

Não me prostituo mais. Acho simplesmente nojento o fato de algum outro corpo me encostar sem ao menos me amar. Mãos que não pertencem ao meu coração não pertencem ao meu corpo. Sexo sem o desejo de acordar no outro dia pela manhã e novamente amarmos. Cafés sem intimidade. Dinheiro imundo colocado sobre a mesa de um quarto qualquer. Dinheiro qualquer como o sexo malfeito e obrigatório – disse ao encontrar um ex-cliente que a interrogava sobre o porquê da sua ausência nas festas promovidas por Madame Ortiz.

Parada na praça de alimentação daquele badalado shopping, chamava a atenção de todos. Não tinha homem que não a olhasse com cobiça. Cobiça que antes era fácil de saciar. Hoje não mais. A vida vil que tinha não lhe pertencia mais. Suas pernas maravilhosas, seus seios fartos e duros e sua boca carnuda agora pertenciam a apenas uma pessoa. Seu amor.

Pasmado com o que acabara de ouvir, pôs-se a afastar o mais rápido possível daquela tentação acessível em outros tempos. Ela era sorriso só. Mais uma vez havia marcado o território do amor em seu corpo. Corpo que já havia passado de mãos em mãos. Bocas em bocas. Seios em seios.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Descoberta

Eu conheci tudo muito tarde nesta vida. Inclusive a mim. O amor me habitou mais velho que o mar. O sexo, descoberto logo após a lua e marte. Netuno e Plutão chegaram junto com o filho. E o universo nunca soube que não sei e nem soube o por quê e nem quando. Vida de eu com o mundo de mim e nem ao menos o do por quê.

sábado, 22 de maio de 2010

Abscissa

A falta do teu conjunto ao meu,
O hemisfério sul distante do norte,
Jimi Hendrix não conheceu Gorbachev,
E eu nunca mais irei encontrar a paz?!
Meu coração é distal...

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Convivência

“Fraco, lixo, escroto, babaca!”, não era a primeira vez que ele escutava isto dela. Toda vez que o álcool lhe consumia a vida, a batalha era a mesma. Um tempo bem maduro de convivência. Vitórias e derrotas alcançadas. Mas aquilo deveria ter um fim.

“Filho da puta, ordinário, mesquinho”, e o vocabulário chulo era despejado em seus ouvidos. Ouvido de mercador nestes momentos de ódio misturado ao amor. Já se preparava para as agressões físicas. Mantinha distância. Recuava-se ao ponto de se trancar no quarto ao lado. Proteger o lar.

“Eu te amo, não me deixe só”, a mente começa a funcionar. O sentimento de arrependimento aparece. A crise moral, do amoral feito, arrebata-lhe. Os cabelos loiros esvoaçados cobrem a face. O desespero aperta-lhe o coração. Porta trancada, mulher debruçada à mesa. Choro. Pele trêmula. Calafrios e arrepios.

A mão estendida oferecendo-lhe um colo, um afago, um carinho. Lábios salgados das lágrimas derramadas. Promessas e juras de fidelidade soltas no espaço do quadrado. Roupas espalhadas pela sala. Fluídos e corpos trocados. Amor feito do ódio repentino. Ódio feito do etílico. Gozo do gozo de gozar do amor.

Caráter à prova. Convivência à prova. Amor à prova.

E a batalha continua... dia após dia.

Encontro

Um rosto,
Um corpo,
Você!

Conversas,
Detalhes,
Beijos.

Peitos,
Bocas,
Sorrisos.

Você,
Cama,
Porta.

Solidão estéril que me apega e me abisma...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Rendição a Ártemis

No mais novo e estupendo espetáculo da terra, vejo seus olhos. Olhos de lince a me procurar. E eu me torno a mais saborosa e perfeita caça. Caça que fica sempre de atalaia. Olhando para descobrir de que lado aparecerá seu predador. Mas quando sinto seus olhos, me derreto, entrego-me. Como uma fêmea no cio soltando seus sinais de submissão, deixo-me seduzir pelos seus encantos. Caçadora de mim, acha-me e leva-me para a vossa e única degustação. Degusta-me com sua boca, com seu olhar, com seus lábios e com teu corpo de deusa. Minha Ártemis!, eu, seu súdito, estou aqui, pronto para ser ofertado em seus braços longos e fêmeos. Ser servido em seu banquete da noite, do dia e da tarde. Que minha carne seja ofertada e devorada por ti, somente tu poderás se deliciar em mim. Excitai sobre minha pele desnuda, sem pudor e com o mais belo e irrepreensível amor. Não sintas culpa, sou seu, seu súdito. E você minha, minha deusa, minha única e femeal caçadora.

Morro do ABC

Morro do ABC, terra de ninguém, aliás, terra de um homem só. Este homem truculento e vingativo detém todo o poder da comunidade através da violência. Violência que também ajudou a produzí-lo.

Aos sete anos de idade, Marcelino Ferreira era apenas um pequeno, um catarrento como se dizia. Vivia correndo entre os esgotos fétidos daquele aglomerado. Viu seu pai sendo violentamente fuzilado. E como Sérgio Brito e Nando Reis escreveram em “Marvin”, o pai colocou todo o peso da família em suas costas. E isto logo as sete anos de idade. Passado alguns anos, quando estava com dez, viu a mãe sendo violentada e logo depois fuzilada por um grupo de policiais velados. O ódio do pequeno engraxate, profissão que conseguira exercer até o momento, explodiu. A pequena besta-fera que morava dentro de seu coração tomou conta de seu ser.

De engraxate virou vapor, posto que teve pequena duração, pois logo-logo virou soldado. Demonstrando muita desenvoltura com números, além de uma grande fidelidade e agradecimento a João Doido, este dono do morro, foi promovido a gerente. Assim que assumiu tal cargo sua vida mudou. Começou a aproveitar mais o dinheiro que o tráfico lhe rendia. Mulheres, carros, armas, festas e status. De Marcelino Ferreira transformou-se em Marquinho Mão Pesada. Foi agraciado com tal título, pois sempre que pegava alguém roubando na venda do produto, era castigado severamente. Dizia que tinha as mãos de ferro dos deuses da justiça. Que Xangô não escute isso.

Mas o tempo foi passando e Marquinho foi ficando ambicioso. O cargo de gerente não era nada em comparação ao de dono do morro. Arquitetou um plano malicioso e infalível para a derrocada de João Doido. E num belo domingo, como foi religiosamente planejado, João Doido é encontrado morto. Parada cardíaca. Sem traços de envenenamento ou qualquer outra coisa. Todo mundo sabia que os dedos de Mão Pesada estavam presentes naquele ataque. Afinal, Doido tinha apenas trinta e dois anos, idade tida como avançada no ramo da atividade que exercia. Pela primeira vez no morro não houve luta para decidir quem seria o novo dono. Marquinho Mão Pesada foi apoteoticamente conduzido ao cargo. Louro e glórias ao novo César, como diriam os romanos.

Desde então, o morro vivia sob suas mãos pesadas. Era necessário apenas um leve deslize para que o sujeito fosse punido. Às vezes a morte não era o bastante, era mais didático humilhar o desventurado em praça pública. Somente em casos extremamente escabrosos que a morte era utilizada.

E assim o Morro do ABC ia vivendo “pacificamente” e “harmoniosamente”, até que um dia um fato novo aconteceu...

Um novo pai fuzilado, uma mãe violentada, um filho com uma nova missão, uma caixa de engraxate abandonada...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Lembrando Vinícius

O sol quente fazia com que suasse mais que tampa de chaleira. E ele ali, parado no tempo que não tinha mais, pensando algo bonito de se escrever para a menina que conhecera no dia anterior. Loira de olhos esverdeados, um contorno maravilhoso da boca, uma silhueta grandiosa, e porque não, apetitosa. Ele, um rapaz no início da adolescência, que mal acabara de ver seus primeiros pentelhos nascerem e já aflorara o amor em teu coração.

Lembrava dos livros que preenchiam a pequena prateleira da sala, onde Drummond e Vinícius desfilavam seus poemas, e tentava lembrar de cada um que já havia lido. O tempo passava e a primeira estrofe não chegava. O sol ficava mais quente e ela, com certeza, desceria do próximo ônibus. Mas de nada adiantava. Plagiar não queria. Queria inventar, ser um poeta do amor como Vina havia sido. Mas o tempo corria contra e ele cada vez mais afobado.

Pensava nos cabelos lisos, no doce perfume, no andar delicado e sensual, no batom vermelho da boca e até mesmo no keds que ela calçava. A mão tremia, o papel já molhado com o suor do neófito e malogrado poeta, e nada de pitibiribas!, nenhuma linhazinha confusa, nadica de nada mesmo. O mundo do seu amor iria ruir-se. E ele só precisava escrever um poema que descrevesse tudo o que sentia. Coçava a cabeça, olhava para o céu, olhava para o poste, olhava para todos os lados, e nada!

Como já era previsto, o ônibus aparece. O coração palpita. O suor lhe alaga a camisa. O perfume barato fica em evidência. O céu escurece ao mesmo tempo em que o sol começa a iluminar somente o veículo. A porta é aberta e ela desce. Ele começa a flutuar quando percebe um doce olhar em sua direção. As mãos se encontram, a paixão ferve nos corações. O sorriso amarelo lhe ganha a face. A boca abre e começa a balbuciar uma bela canção popular: “Se você quer ser minha namorada, Ai que linda namorada, Você poderia ser, Se quiser ser somente minha, Exatamente essa coisinha, Essa coisa toda minha, Que ninguém mais pode ter...”.

Antes mesmo de terminar é presenteado com um longo beijo. O céu novamente fica azul. O amor é verdadeiro e real. O coração frenético. A respiração encurta. Os lábios se procuram e se encontram. Agora, de mãos dadas e felizes, seguem o resto do caminho. Ela feliz por ter conhecido um poetinha, ele feliz por lembrar-se do Poetinha.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Uma cerveja, por favor

Merda!,maldita não está vendo meu carro? – Esbraveja ao volante após ter levado mais uma fechada. Trânsito de segunda-feira, via tumultuada, greve de ônibus, batidas leves que geram congestionamentos enormes. E ele de ressaca. A paciência passeava de longe, nem pensava em momento algum habitar aquele ser. A queimação nervosa do estômago lembrava que devia reduzir o álcool.

Arrota mais uma vez e sente a queimação a subir pelo esôfago. “Tenho que parar de beber”, resmungava. Mas parar de beber era algo que realmente não pensava em fazer tão cedo. Começou a imaginar o que poderia fazer para melhorar sua vida. “Academia, ficar correndo naquela esteira. Depois posso comprar uma bicicleta e dar volta na lagoa. Caminhada acho que vai ajudar”, mero devaneio a respeito do seu estado de vida.

A cadela no cio sujando a sala, o filho na escola, mais uma vez o trânsito lento e carregado. A mudança de casa por acontecer, o aluguel vencendo naquele dia, e certamente, um dia longo cheio de problemas.

Cigarro não usava mais, largou há muito tempo. A gordura tinha que diminuir. O peso da idade e dos quilos adquiridos junto com eles chegava para cobrar uma solução imediata. Logo a ele que detestava ser imediatista. Mas o preço começa a ser caro demais pra pagar a vista, de uma vez só. Era notório que as prestações seriam mais leves, e quanto mais cedo começar a pagar, mais rápido a dívida seria quitada.

Mais uma fechada, mais xingamentos esbravejados ao volante. A irritação, o pensamento lento, a queimação ardendo o corpo. Um posto, uma lanchonete. “Uma cerveja, por favor”.

domingo, 16 de maio de 2010

Somente um escrito

Meu universo é denso, tenso e inconstante. Nem nada muda, nem tudo fica igual. Apenas continua sendo meu universo. Hoje acordei com a ressaca do medo de viver. Amanhã acordarei com a vontade louca de viver. Viver solto. Bicho solto. Cabelo solto ao vento sem medo do relento! Uniforme e constante esta alegria da vida que vive se escondendo e ressuscitando. Mas no inferno onde o diabo mora, eu fico por aqui a sorrir. No paraíso dos deuses. Deuses! Salvem-me!, levai-me para onde não tenha mais a dor, a morte, o açoite e principalmente as cobranças sem fundamentos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Tambor

"Agora que você voltou
Arranque minha pele
Faça um tambor
E por favor não vá nunca mais
Please don't go
Nem me diga
Por onde andou
Agora que você voltou
Já esqueci
Quando foi e por quê
Esqueci as palavras rudes
Que ensaiei pra dizer
Agora que você voltou
Fique comigo em paz
Meu amor
E por favor não vá nunca mais.
Please don't go"
 
Fonte: Música: Tambor
          Autor: Chico César

Mona Lisa parada ali no Louvre

Pairando sob o céu azul nesta manhã de maio, vejo pessoas tão desconcertantes quanto a Mona Lisa parada ali no Louvre. O nexo já não pertence ao sexo. A exatidão de uma equação matemática não coincide com a inexatidão de um poema de amor. E eu fico aqui em cima observando todos e tudo.

O menino com os pés no chão em cima de outros meninos, tentando ganhar a vida com malabares. Às vezes com a arte circense, noutras com a arte de gatuno que infelizmente aprendeu nas ruas. Vejo a moça parada na praça da rodoviária. Essa tenta ganhar o pão utilizando a tão preciosa dádiva que lhe foi ofertada ao nascer, o amor. O mesmo amor que ela procura em outros, que sonham como ela, encontrar. Mais a frente vê-se um andarilho, este um pobre diabo, não sabe mais quem é. Perdeu-se no mundo, ou será que o mundo que o perdeu? Sujo, faminto, sem lembranças e até mesmo sem um mínimo de dignidade, vive por aí.

Fecho os olhos. Não sinto mais minhas pernas, não sinto mais o ar, não sinto... apenas não sinto.

O céu azul, o Louvre aberto e nós parados em frente a mais bela Mona. Filas de pessoas param, e assim como eu, ficam a admirá-la e apaixonam-se pelo enigma criado por Leonardo. Respiro profundamente e vejo o desconcerto em que vivo e permaneço a viver. Penso no menino, na moça e no andarilho. Finalmente coloco meus pés no chão, respiro profundamente e volto a viver minha realidade. Realidade de pessoa vivente que sou. Pessoa, que como eles, que vivem nesta cidade nefasta. Com diferenças, desconcertos e desamores. E ela continua parada ali no Louvre.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Enaltecer a tristeza

A tristeza enaltece o meu sentimento em relação às relações vividas e sofridas. Nesse ambiente juramentado pela dor do amor, sinto-me cada vez mais inferiorizado aos grandes amantes de outrora, e até mesmo aos novos Dons Juans das esquinas de Minas. O peito segue sofrido, o ópio já não me conduz à extrema sensação de leveza do existir. Sigo me contaminando, cada dia mais, com a inexatidão de não ser mais Eu. Eu que já fui o feroz!, o selvagem no cerne!, o caçador de caças absurdas e infundadas. Sinto-me cada dia mais fragilizado e entregue aos leões, como Daniel, porém, com uma grande diferença: as bocas não estão fechadas e, a cada dia, me arrancam um pedaço desta carne que me serve de escudo. Escudo derrocado e definhado pela tristeza enaltecida, dia após dia, em relação às relações vividas e sofridas.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Paixão de bar

O hálito que exalava da sua boca demonstrava o cio presente. Não fazia mais idéia quanto tempo havia passado desde a última vez que foi possuída por alguém. Sentada na cadeira do bar, já meio extasiada com o etílico, ela olhava para o rapaz, cada vez mais apaixonada.

Paixões são repentinas e devem ser vividas no exato momento do seu aparecimento – divaga com o rapaz a respeito da paixão e seus mistérios. Não conseguia mais ocultar o estado prolixo de excitação. Queria ser possuída ali mesmo, se possível, e, com isto, mandava seus sinais de fêmea. O sabor do amor apresentava cada vez mais nos copos virados vagarosamente. Garrafa após garrafa.

A conta, por favor – ordenou ao garçom que fosse rápido, pois não podia mais esperar. Mais alguns minutos sentada ali naquele bar, naquela calçada e naquele estado, não seria mais responsável pelos seus atos. A mão sobre as mãos do seu futuro macho suava. Calafrios eram sentidos e o cheiro do cio espalhava-se em sua atmosfera. O amor estava por vir.

O frio do mês de junho, o calor do mês de janeiro e a festividade do carnaval, tudo isto ocorrendo naquele instante. Ali, naquele carro. Parado numa rua qualquer de uma cidade qualquer. A paixão sendo absorvida e resolvida em pequenos metros quadrados. O inferno cada dia mais próximo, segundo seus preceitos religiosos. O amor que iria curar seus males da alma. E o cheiro do tesão finalmente perfumava a sua vida.

domingo, 9 de maio de 2010

Da moral e dos bons costumes

Ah meu Deus!, desisto. Quero morrer! – Gritou no meio da noite e ecoou em todo ambiente.

Já velho, largado e sozinho no quarto. Com seus 35 anos de serviço militar e suas várias horas de DOPS, hoje, aquela figura ameaçadora já não existia. Agora um velho qualquer largado no palacete, que conseguiu “comprar” com dinheiro de parentes de inocentes que “ajudou” a se safarem.

O palacete comprado no final da década de 60 já não lembrava mais o tão temido Senhor DOPS. Agora estava como ele, em ruínas, pronto para finalmente desaparecer. Aquela esquina da Varginha com Pouso Alegre - onde houvera várias festanças regadas a muito uísque, coca e mulheres subversivas amarradas nas pilastras do meio da sala - hoje estava entregue à escuridão e solidão.

“Pai!, tire de mim este lamento tão sufocante!”. Mesmo sendo responsável por diversas mortes e desaparecimentos, ele se dizia fiel a Deus e à Igreja. Com tantos pecados mortais que carregava nas costas, o que mais ele queria era que seus fantasmas lhe deixassem em paz. A mesma paz que jurava entregá-los quando estavam vivos. As cobranças das mortes em nome da moral e dos bons costumes sempre o rondavam.

Agora acamado, a diabetes lhe cobrando o tempo de luxúrias, ele só pensava em encontrar seu Pai e pagar pela merda toda que fez durante sua vida. Filhos que foram arrancados do ventre das mães, filhos que foram dizimados longe de suas mães, filhos que foram gerados sem o consentimento das mães. Filhos que ele nunca teve, pois achava que seriam sua fraqueza. Alguém poderia fazer com eles exatamente o que ele fazia com os outros. E ele sabia a dor que causava. Mas tudo tinha um porquê: a moral e os bons costumes!

Teve medo quando o regime acabou, mas existia a anistia. Ficou mais aliviado quando houve a regulamentação e, mais feliz ainda, quando o STJ sacramentou o seu perdão. Mas, mesmo assim, seus fantasmas não lhe deixavam em paz. “Torturador não teve culpa, está na lei! Deixem-me em paz seus bandidos!”, tentava argumentar com os algozes cobradores da consciência que apareciam sempre para lembrá-lo dos seus atos. Atos!, afinal vivera num país governado por atos.

Os filhos sempre estavam lá. Sempre colocando um espinho acentuadamente agudo em seu corpo, em sua mente. O espírito já lhe cobrava as dores, e agora a carne pútrida também dava sinais de cansaço. Mas tudo é certo neste mundo, o lamurio iria perdurar por mais tempo que ele achava. A carne iria ficar cada dia mais fétida, o casarão iria ruir-se cada dia mais, e a solidão o perturbaria até o fim dos seus dias. E seus dias seriam cada vez mais longos e tenebrosos.

“Ah, meu Deus!, desisto. Quero morrer!”, gritou mais uma vez, e novamente não fora atendido. E assim Ele fazia o mesmo quando os filhos clamavam a ele a morte para se livrarem de suas garras. Garras da besta-fera da moral e dos bons costumes.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta ao Professor Xavier

Desfazer os laços, fechar os ciclos. Círculos me lembram ciclos que trazem o Ciclope que, por sua vez, me leva aos X-Men e finalmente chego “A Batalha Final!”.

Salve-me Xavier, com seus poderes psíquicos, tirai-me esse peso absurdo que me arrebata todo dia pela manhã. Antes mesmo do café matinal ele já assola meu dia. No final da noite, acrescido de congestionamentos, motoboys dos infernos e motoristas sem mãe, minha cabeça explode. E eu fico aqui rogando para que você, meu grande herói Xavier, entre nesta sua máquina gigantesca, e porque não dantesca, e me tire deste sonho que, como a máquina, não passa de um cenário de Dante.

Não meu amigo, não possuo poderes fabulosos como os seus. Apenas imagino cenas e personagens para refrescar um pouco esta vida imaginária que todos nós vivemos. Como bom conhecedor e pesquisador, Morpheus já nos adiantou que vivemos, todos nós e inclusive você, na ilusão de ser o que não somos. Aproveitando o gancho e o suplício, recorro a ti para finalmente entender... o que somos e como vivemos?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Na mercearia

Divago sobre poesia com o dono da mercearia. Dois ignorantes na arte de poetar. Mas a gente tenta. Fazemos rimas esdrúxulas. Declamamos sonetos que não existem. Profetizamos o amor eterno e incondicional em versos chulos. Erotizamos a vida e as relações malsucedidas e as bem-sucedidas também.

A loura gostosa que passa na esquina. A negra de seios firmes e que rebola que é uma maravilha. A japonesa que até hoje pela manhã não comemos. A ruiva romântica que vem todo dia comprar um não sabe o quê. A morena que está no ponto do ônibus conversando com a outra de cabelo vermelho. Essa tem um baita rabo que não tem como não observar.

Somos dois tarados poéticos. Comemos todas nas nossas divagações poéticas sobre o amor. Amamos todas. Odiamos as chatas e finalmente casamos com a melhor. Qual é a melhor? Nem sabemos, e não nos preocupamos com isto. Afinal, amanhã outras musas estarão passeando em nossas vidas. E voltaremos a poetar...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

SALdade

A saudade corta minha carne. Carne velha e sofrida de gente humana animalesca. O sal do meu suor salga a carne que me contorna. Deixando-me a cada dia mais salgado. Salgado do sal da vida que vivo. A SALdade me torna cada vez mais salgado de saudoso. Saudoso do amor da minha amada que me deixou em busca do doce da vida. Vida doce do bagaço da cana, do melaço do mel, do inferno vivido. Vida que não me pertence, pois o sal da dor me contorna e me tempera para a dor mais sofrida. A dor da saudade. Saudade de sal. SALdade.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O parapeito do Edifício Maleta

Tarde da noite, eu, você sentados no parapeito do Edifício Maleta observando a lua luz. O azul do céu hoje está mais escuro que o de outros dias. A luz amarela e os gatos negros andam entre nós. Relando suas caudas sujas e nojentas em nosso dorso. Pego sua mão e sorrio. Um sorriso vermelho, como aquela calda de morango que beliscamos antes de subirmos até o parapeito. Você me retribui com beijo negro carvão que mancha meu rosto.

Luz amarela, sorriso vermelho, beijo negro carvão.

O céu é nosso. O ar entre o parapeito e a calçada suja de urina de ratos execráveis, também nos pertence. Eu, você nos pertencemos. Um salto duplo é dado. Um giro único em torno de dois corpos soltos na lacuna do tempo e do vento. Um gemido. Um afago.

O céu, o ar, o parapeito, a calçada, um giro, o gemido, nosso afago.

Coincidentemente acordo com você na janela olhando a luz vermelha do sol que se deposita atrás do Curral Del Rey. O ar pesado. O quadrado não é mais mágico, e para sepultar de vez nossa vida, a terra não é mais santa.

Janela, luz, Del Rey, terra não mais santa.

O parapeito inerte sujo de sangue vermelho me faz lembrar que estamos mais uma vez sacramentados a viver dias de violência furtiva. O parapeito agora é o limite da vida morte, dor amor, paz terror.

O parapeito do Edifício Maleta observa a luz.

Destrambelhada

Destrambelhada vinha correndo pela rua. As roupas sujas de minério, um sapato no pé e outro a mão, cabelos soltos e um enorme sorriso estampado no rosto. Corria velozmente sem se preocupar com a calçada secular. Corria como um corisco em descampados. O ar era rompido, o sorriso estendido a todos e ela corria cada vez mais. Ninguém sabia o que estava acontecendo, mas também não tinham coragem de interromper aquela menina corrida. Ela vinha sorrindo e eles apenas davam passagem. Ela ia embora com toda a alegria do mundo e eles não conseguiam entender. Nem ao menos tinham capacidade de perguntar o porquê de tamanha alegria. Em seu trajeto deixava espalhada entre casarões e barracões a alegria da vida estampado em seu sorriso. Destrambelhada ela ia espalhando felicidade pela rua.

sábado, 1 de maio de 2010

E o leão comeu

E o leão mordeu! Não sabia? Mordeu menina... nem teve dó. Chegou de mansinho, mês após mês e quando menos esperava... abocanhou! Não teve jeito, lutei com todas as forças, utilizei todas as artimanhas, mas ele foi cruel. Nervoso como todo rei. Implacável como um leão na savana africana. Chegou, mordeu e levou uma grande parte do rico dinheirinho que ganhei durante o ano. Sem chances pro papai aqui se salvar. Nem um Real sobrou. Como diria uma música antiga do Kid Vinil: “Marcou, moeu, triturou, deglutiu, comeu... comeu...”. Ó Senhor será que ano que vem consigo salvar ao menos Um Realzinho?, vá saber... mas juro que um dia vou virar Al Capone e finalmente sonegarei algumas lascas para ter um abril mais feliz! E leão, honestamente esqueça um pouco os trabalhadores e vai morder os especuladores da bolsa, mega empresários e principalmente políticos que não declaram com exatidão o que ganham. Deixa de lado quem tem retenção na fonte. Vai cassar sua turma, rapaz!