quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Olho

Olho nos teus olhos,
E em tudo vejo graça,
Pão, água, cachaça.

Olhos nos teus olhos,
A tristeza se rechaça,
Deliciosamente tua caça.

Olhos nos teus olhos,
Teu corpo na fumaça,
“Mi” alma em eterna graça.

Olhos nos teus olhos,
E a estúpida dor passa,
Beijo, alma, caça.

Olho nos teus olhos,
Navego sem farsa,
O teu amor me basta.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

La bestia

E no meio da noite, sentado a frente do portão, com as mãos sujas de sangue da última vítima, fica pensativo. A queimação lhe subia no esôfago e ele pensava no que poderia fazer se não fosse o que era. Não tinha mais medo. Perdeu a inocência. Os sonhos tenros da infância perfeita já não havia. Nada além da besta-fera que se transformou passava em sua mente. Atos exatos do mais violento assassinato. Sangue, dor e solidão.

O suspiro final de suas vitimas o deixava louco, e ao mesmo tempo enchia de fé o coração amargurado da dor do próximo. Sempre que executava uma pessoa, a obrigava a aceitar o Senhor em seu coração. O mesmo coração que em poucos minutos estaria em suas mãos. O mesmo Senhor por quem esperava ser julgado e condenado. Os batimentos eram exauridos aos poucos, len-ta-men-te, como a vida nos olhos do pobre coitado que até pouco tempo estava indo para casa, trabalho, zona, restaurante, ou qualquer lugar. Que infelizmente, por uma triste e infeliz coincidência, não iria mais existir. E a dor do pecado mortal, “Não matarás”, o sufocava loucamente.

A noite escura. A dor imensurável. O inseto voando em torno da luz. Ele ali. Sentado. Pensando no que poderia ser se não fosse aquilo. Aquele ser estúpido e insensato que seguia as regras de seu instinto assassino. Não queria mais fazer aquilo, mas era inevitável. O inferno da vida era presente em cada minuto. A dádiva da dor. Em cada segundo. E as gotas de sangue escorriam pelos dedos e manchava a calçada em frente à casa de um qualquer. Qualquer um poderia passar ali e notar que a criatura ainda estava ali, com o coração nas mãos e as preces elevadas aos céus.

Levantou-se. Olhou o céu. Com o Pai em mente, sorriu. Entre seus dentes o liquido que acabara de golfar escorria queixo afora e manchava-lhe a camisa alva. Com uma única cusparada limpou toda a sua boca. Com as mangas repletas do líquido rubro, misturou a dor do outro com a sua dor. Elevou as mãos acima da cabeça e reverenciou o ato macabro mais uma vez. Sorriu novamente. Pôs-se a andar até a esquina próxima e de lá seguiria até sua casa, onde finalmente, tomaria um banho de sal grosso para retirar toda a energia negativa do corpo e definitivamente dormir nos braços da amada vida que lhe foi dada.

A alvorada chegava estupidamente como a vida escapara dos olhos. O coração estava em outras mãos. Na última visão, a besta sorria. O banho de água gélida e salgada o despertava e trazia uma leve decência em sua vida. Vida porca de sujeito matador, que a seu ver, seguia ordens de alguém que não sabia quem era. Mas, como não podia lutar contra tudo e todos, achou por bem, aceitar a indesejada vontade de ir contra algo que não sabia o quê. Devaneios estúpidos de um ser estúpido. Ladrão de sonhos, agente do inferno em nome de Deus. “Fulano, sicrano e beltrano”. E a música embalava seu banho de decência indecente. A limpeza do pêlo pelos poros normais arrancava-lhe a cor encarnada do sangue jorrado pelo coração furtado. E o sorriso morto rondava seus dias.