sexta-feira, 29 de outubro de 2010

São Judas

Na escrivaninha do quarto, a meia luz, o papel largado a mesa, os rabiscos intensos, o lápis preto sendo destruído em nome de algo que nem ele mesmo saberia dizer. A fonte no quintal ligada e jorrando jorros de água. Água colorida pela luz iluminada da lâmpada ligada. O céu não era azul mais. O impossível de acontecer estava tão longe, que de certo, se tornará cada vez mais impossível. Em inexatidões longínquas o acesso do abscesso ficava mais obstruído com o tempo, e desta maneira, a boca doía cada vez mais, e o mau cheiro impregnava todas as cavidades superiores. E o rabisco saía forte sem o porquê de estar ali.

A novidade não era mais a mesma, portanto não era mais novidade. O lápis não era mais perfeito, assim como sua ponta feita com a faca. Faca que cortava cada vez mais sua esperança da volta de alguém que um dia resolveu partir e nunca mais voltar. Voltar a ser visto. Voltar para o lado direito do individuo oblíquo. Sujeito que ele jurava, agora, entre lágrimas e calafrios, que não existia mais. Era fato: o papel estava ali, o lápis em suas mãos e o alguém estava além da sua compreensão. Carniça de vida insaturável.

As comemorações do dia de São Judas haviam passado. E ele continuava ali, com sua causa impossível.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Falem

Deixe que falem de mim,
Deixe que falem de nós,
Deixem quem fale.

Pouco me importa...
Se foi este ou aquele,
Se aquela ou aquele,
Largamos para lá,
E sigamos em frente:

“Para o alto e avante”

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ela

Sexta-feira, tarde da noite, avenida qualquer, entrada da boate. Ela chega com seu vestidinho lilás bordado com cristais falsificados, imponente em seu Luis XV. O perfume, tão marcante quanto seus olhos negros, deixavam todos fascinados – fascinado fico pelo seu andar. O cabelo esvoaçante açoita o vento com o cheiro gostoso do cremehidratante. Tudo era usado para mantê-la ali, no altar, e nós,súditos malditos, ficávamos a desejar seu rabo, nem que fosse por uma noite apenas

No escuro da pista, ao som do mais podre cancioneiro pop, ela se vangloriava. O corpo modelado pela academia da esquina era, para nós, a passarela da vida onde queríamos desfilar. A silhueta perfeita, os mamilos acesos, o suor descendo seu pescoço e adentrando ao grande decote cravado em suas costas. Costas que era enfeitada com um grande dragão verde-lilás que levava aos sonhos mais exóticos dos pobres mortais. E ela lá, dançando... sozinha... se acabando na pista.

A luz acende, ela caminha até a saída, as portas se abrem, ela reaparece sob a luz do luar. Ainda resta um pouco do perfume, o andar, a solidão me abraça. Sigo-a até ao carro e ela nem aí. A porta abre, a perna esguia acessa o interior do carro, o assento abraça seu traseiro malhado, a outra perna desaparece no vão da porta. Toneladas de fumaça invadem a atmosfera, ela ganha a avenida e desaparece na escuridão da noite. Dentro do carro a solidão a persegue. Ela chora um choro chorado em lágrimas quentes que molham seu corpo gelado. Já é sábado

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A barata

Ô vida ingrata, dizem que não sou homem, por que não mato barata!
Porque acabar com a vida, da bichinha espremida?
Olha que belo rasante, e por não te matar, não sirvo nem como amante?!
Vá pro meio da rua, o barata danada, senão no final das contas, não vou prestar pra mais nada.

Devaneios 1302

Enquanto fico aqui com a cabeça demente olhando para o céu, minha boca grita palavras eloquentes, querendo aquecer os mais belos cachos de seu cabelo. O rojo expelido pela face incrível da dor que abastece a cavidade mais estranha do invólucro de alguém, a marca pesada e prensada do ferro à brasa, que um dia chegou e feriu o mais tenro tecido que cobria aquele santuário erguido no meio da sala, mostra com exatidão a intensidade do grito. Anjos e demônios se abrigaram no lado esquerdo do telhado ouvindo as súplicas expelidas enquanto o verme que chega e destrói a vida, chegava e se alimentava do ócio produzido pelo ódio e vergonha explícitos nas palavras brotadas por aí. O suor desce a testa e é fato: na noite de São Judas não fui eu quem gritou a favor do encontro maldito que se sucedeu instantes após a bomba explodir ao lado do terraço do décimo quinto andar daquele edifício que era belo no início, e que se tornou esquizofrênico ao romper da aurora.Nada mais, nada menos, apenas isto para seu gozo provocado pelas maldições ditas exacerbadamente. Nada, além disto, ou aquilo. Nada...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ronda

Ela ronda,
       por aqui,
             por ali,
                   e às vezes nos faz ri.


                                             Ela ronda,
                                          por lá,
                                  por cá,
                         e sempre nos faz chorar.


                       Ela ronda,
      ronda, 
                           ronda
          e às vezes ronda.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Três “eme”

O inferno estava ali, a merda espalhada pela calçada, o fétido sabor da morte rondava seus olhos negros, a miséria estampada nos rostos de qualquer ser presente naquele espaço. Nada, tudo, merda, porra e mais nada. Sobe escada, desce escada, abre porta, fecha porta. Putas e travecos num meio comum. E ele ali. Espiando o brilho da faca que acabaria utilizando em qualquer coisa que cruzasse seu caminho. Doses cavalares de aldol eram utilizadas para adormecer a besta-fera. O cuspe cuspido na ponta da faca a deixava mais mortal. O vírus da merda nela. A merda da vida no sangue. O sangue rubro, fétido escorrendo pelas mãos do algoz justiceiro. Merla, merda e morte. Três “emes” necessários na vida dele. A besta.

Merla na veia. Merla no espírito. Merla na alma. Merda de veia que não aceita a merla. A viagem perfeita, a euforia extasiante. O universo fica pequeno. E com ela, todos se rendem ao sabor da morte azeda vinda da faca de metal cuspida. A ponta entra cortante cal-ma-men-te. Merla sem dentes. Sistema nervoso oscilante, extravagante, emergente, impotente em resolver o que deve ser feito e o que deve ser morto. Merla sempre...

Merda é a vida vivida por estes que se sucumbem ao inferno do escroto que passa com a grana em sacolas verdes com nomes sugestivos gravados em suas bordas. Fracos que vivem na merda. Merda é o sentimento profundo em que a besta segue vivendo. Besta que reúne o poder da cura dos males destes que se ajoelham ao deus babaca que seguem. Merda é sentir o desejo infame de viver com eles até o exato momento da ruptura carnal... “Seu espírito agora encontrará a paz”, a besta entregava o corpo a merda da vida e o espírito a salvação. Sentia-se um padre. Um padre?! Merda sempre...

Morte sempre para a purificação do individuo falido da moral. Morte sempre para quem ousasse atravessar o seu caminho. Morte sempre àqueles que não jurassem lealdade ao seu deus. Morte sempre a quem não convertesse seu coração maldito a maldição da besta. Besta redentora, utilizando a faca espessa e polida com os sangues dos malditos que foram dessa pra melhor. Melhor morrer a viver neste inferno de vida. Morte sempre...

Merla, merda e morte!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tabaco e Vodka

Na quinta esquina, após a Rua Mármore com Garbo, ele estava lá. Quieto sob a luz amarela do poste. O cigarro fino aceso, uma garrafa de vodka embaixo do braço, o violão nas costas e mil idéias enroladas em seus caracóis. Já passavam das vinte e duas horas, e o último metrô logo chegaria a estação, e exatamente nesta composição que ele depositava suas esperanças. Com certeza ela chegaria nela. Mais um ônibus rompe a Mármore, e ninguém desce no ponto. E as esperanças lá embaixo na Andradas.

O frio cortante daquela noite o deixava com mais dor. A vodka visitava com regularidade cada espaço da boca mal cuidada. O cigarro amarelava e perfumava seus dedos. As idéias rodeavam e norteavam suas ações. Lembrava do momento exato que vira aquele sorriso pela primeira vez. Um doce sorriso. Um amargo momento. Um ácido misturado com chocolate. Era assim que ele definia aquele breve momento. Depois daquilo, sua vida nunca mais foi a mesma. A necessidade de rever o sorriso, de sentir os sentimentos momentâneos, de curtir e reverenciar o enorme prazer da vida oculta naquele olhar divino. Por isto ele estava ali até agora. Com o frio cortando seu corpo. E a incerteza do contato aquecendo o coração.

Uma nova talagada. Um novo trago. Uma leveza lhe descia a cabeça chegando até as pernas. As nuvens negras da noite lhe pareciam brancas como as do dia. O uniforme do guarda municipal parecia sujo. A moto rasgava o morro em direção a alguma casa. E a intimidade com o sorriso ia aumentando a cada gole, a cada trago, a cada minuto. A meia furada, o tênis rasgado na ponta, o violão devidamente afinado. Tudo pronto pro encontro mortal e devastador.

As notas começaram a aparecer quando o barulho do metrô parando na estação foi ouvido. Sentiu novamente o perfume a exalar no ar. Sentou-se rapidamente na calçada. Fechou os olhos. Sentiu os passos. Respirou profundamente. Entregou-se a criação divina.

Os passos fortes, correria na passarela, o sorriso doce cortante passeando em sua frente. O primeiro acorde, o segundo e assim a coisa aconteceu. Largou o violão de lado e foi direto ao caderninho. Pronto!, estava feito. O azedume se tornou doce, o agora virou eternidade, o céu continuou escuro e o frio mais gelado. Levantou-se tragou o último trago do cigarro fino, mais uma nova bicada na vodka. Acenou para o céu e foi embora subindo a Mármore.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O que posso fazer?

O que posso fazer?

Meus olhos não desgrudam do seu sorriso,
Minha boca só quer a sua,
Meu corpo se derrete ao leve toque de suas mãos,
O velho coração bate no ritmo do teu nome,
E meus passos sempre seguem para seu espaço.

O que posso fazer?
O sentimento puro que sinto é único e distinto,
Há alvoroço toda manhã quando olho pro lado e te vejo,
A lua é você, e eu apaixonado pela sua alva brancura,
O gosto do chocolate é a tua pele em minha boca,
E se o lado da cama que mais gosto, é o seu com você lá.

O que posso fazer?
Se a única coisa que me vem à cabeça hoje e sempre,
É te amar... te amar... te amar...
E finalmente, no final de tudo,
No restinho da coisa toda,
É te amar.

O que posso fazer?
A alma é sua,
O corpo é seu,
A vida é nossa,
E o fim...
Este não existe ao seu lado.

O que posso fazer?