sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sonhos intranquilos II

Entrei em colapso. O céu está vermelho. Fortes dores me atrasam a visão do infinito. Farpas me rasgam a pele. Pele me sobra ao prato. Me perco, perco-me, me cerco. Repito o mesmo mantra que aprendi quando tinha apenas do-ze-a-nos-de-i-da-de. Tudo vem tudo vai. São Paulo florida no meio da Augusta. Me esquivo entre caminhões e rubéolas. Sinto o mudar do tempo. Tempo... templo... convento... convenço. Néctar de limão em minha boca me faz pedir o doce salgado da vida que tive. Tive vida em outros dias, em outras vidas, em outro país, em outros. Mariposas envaidecidas me seguem o corpo quente. Nascente no meio do asfalto turvo da Afonso me leva até ao municipal parque. Entro em balões gigantes preenchidos de helium, e finalmente afino o corpo, a voz, o algoz. Ernesto me sacode. Com os solavancos em meu pescoço olho para o lado. Ele ruivo, de barba negra, sorri. Os dentes sujos, pretumes de mangue que não existe nas Gerais. Com um hálito adocicado pelo jatobá, colhido na esquina da Barata Ribeiro, ele me conta que novamente sonhou com a noiva de vermelho. Ela estava linda, vestida para o sepultamento do seu avô e ca-te-go-ri-ca-men-te, mentiu para não mais crescer nas ruas de Coritiba. Passo minha mão direita sobre a cabeça dele e sinto um calor gélido que me convence que as alucinações constantes de Ernesto são causadas pela flor esculpida em minha mão destra. Arranco do peito o colete que me aprisionava. Ernesto faz o mesmo. Com a estupidez de um vulcão em erupção, levantamos do banco da praça e olhamos novamente para o entardecer de mais um dia lilás vivido em nossas vidas cáusticas. Eu olho nos seus olhos e encontro o caminho que devemos seguir. Aponto o dedo para a direção do nosso caminho traçado pela cartomante que visitei em Budapeste. Ele concorda. Seguimos em direção oposta à indicada, afinal, não queremos o fim, e sim entender o começo. Uma forte dor me assola a sola do pé. Passo os dedos em meus olhos castanhos, que com a dor da hemorragia que me persegue, ficaram rubros. Levanto a cabeça, sacudo o pescoço e entendo que mais uma vez tive sonhos intranquilos. Acordo Ernesto e sigo em frente. Ele me segue.

Nenhum comentário: