sexta-feira, 22 de julho de 2011

O reino dos 20 andares

Corria pela escada feito um louco. Subia e descia, descia e subia. Assim eram seus ritos de diversão, naquele verão de 1979. Férias de escola, e na mais lúdica idade, divertia-se com pouca coisa. Aquele espaço era bem diferente do que estava acostumado, nada de terra, nada de água, muito menos do esgoto pútrido que escorria pela rua de casa. Ali, naquele lugar de 20 andares, era somente concreto. Concreto também foi o sonho realizado de ver o mar. Ah!, o mar... Aquela imensidão azul, que até aquele verão só havia visto através da televisão em preto e branco, e era bem mais belo que a figura cinzenta, apresentada através da caixinha que viajava durante as noites na casa do Sô Osvaldo. O cheiro do mar. A cor do mar. O frio do mar.

Uma vez por dia, ele podia ir ali. Passar seus pés na areia branca, sentir as cócegas provocadas pelos finos grãos, sentir o cheiro do mar, encher o pulmão e se entregar a grande maravilha das águas. Com o sol ainda em riste, ele tirava a camisa, descia o calção de brim, largava as sandálias e corria ao encontro ao mar. Pulava a primeira ondinha, se entregava de corpo na segunda e na terceira entregava a alma a Poseidon. Nadava e nadava, seguindo a longa faixa de areia. Acabava-se entre braçadas e pernadas. Pulava onda, furava onda, se enrolava na onda. A água salgada nos olhos, na boca, no corpo. E assim soltava-se, esquecia de todos os infortúnios que havia vivido até hoje na sua longa vida de nove anos. 

Nove anos de lar em lar, acompanhando sua mãe. Em algumas casas era desprezado, em outras nem era notado, e esta indiferença doía mais. Mas ali, naquela casa, naqueles vinte andares, naquele mar... ele era ele.  Sentia-se dono da vida, dono do mundo, dono da mãe, ao menos naquele período, onde ela estava liberada de acompanhar Sô Osvaldo. Este o tratava como filho. Dava balas, brinquedos, carinho, e principalmente, deixava a mãe o acompanhar durante algumas horas do dia. E além de tudo o presenteou com o mar. Ah!, o mar... Depois de certo tempo, ela o chamava, tomava uma ducha fria na barraca de frutas, enxugava-o e iam embora para o reino dos 20 andares.

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