terça-feira, 3 de maio de 2011

Uma vez por mês

Assim, do nada, ela seguiu até o alpendre e o encontrou. Com os pés no chão, mãos calejadas do labuto ingrato, ele estava lá. Pele vermelha pimenta, castigada pelo sol durante a jornada escravagista. Ruas e ruas de canas cortadas, espinhos da folha adentro do corpo, o podão na mão direita enquanto a esquerda juntava a folhagem negra. O suor irrigava o corpo, corpo malhado pela luta do trabalho. Trabalho ingrato e nefasto. Mas a vida precisava daquilo, e ele mais que tudo, precisava da vida.

O sorriso no rosto acariciou o coração. O cansaço louco e pervertido desapareceu. Encontrou o doce hálito da vida naquela boca. Boca carnuda romã. Mãos nas mãos, pés perto dos pés, um banho tomado sem muita pressa. O cheiro da água de colônia invadia o seu corpo. E ela, linda... ali, e ele cansado... ali. Olhos úmidos e humildes. Mão grossa contra mão fina. Amor com amor...

O corpo já não era seu. O trabalho pecaminoso não existia mais. Naquele momento era tudo sagrado. Sagrado o coração, sagrado a cama, sagrado o gozo. Gozo gozado e jorrado no encontro de suas mãos. Uma grossa, outra fina. Pés descalços no linho branco do lençol. Pés roçando em pés, boca com boca, hálito doce pairando no ar. Liras de Orfeu os embalava, o sonho era realidade, e a vida, doce, como o doce da cana, continuava.

O sol aparece, e esquenta a pele vermelho pimenta do moço. Descalço segue novamente para as ruas de canas a serem cortadas, sem antes, porém, de deixar sobre o criado do quarto uma parte do ganho do mês. E era assim que a vida tornava-se doce, ao menos uma vez por mês.

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