quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tabaco e Vodka

Na quinta esquina, após a Rua Mármore com Garbo, ele estava lá. Quieto sob a luz amarela do poste. O cigarro fino aceso, uma garrafa de vodka embaixo do braço, o violão nas costas e mil idéias enroladas em seus caracóis. Já passavam das vinte e duas horas, e o último metrô logo chegaria a estação, e exatamente nesta composição que ele depositava suas esperanças. Com certeza ela chegaria nela. Mais um ônibus rompe a Mármore, e ninguém desce no ponto. E as esperanças lá embaixo na Andradas.

O frio cortante daquela noite o deixava com mais dor. A vodka visitava com regularidade cada espaço da boca mal cuidada. O cigarro amarelava e perfumava seus dedos. As idéias rodeavam e norteavam suas ações. Lembrava do momento exato que vira aquele sorriso pela primeira vez. Um doce sorriso. Um amargo momento. Um ácido misturado com chocolate. Era assim que ele definia aquele breve momento. Depois daquilo, sua vida nunca mais foi a mesma. A necessidade de rever o sorriso, de sentir os sentimentos momentâneos, de curtir e reverenciar o enorme prazer da vida oculta naquele olhar divino. Por isto ele estava ali até agora. Com o frio cortando seu corpo. E a incerteza do contato aquecendo o coração.

Uma nova talagada. Um novo trago. Uma leveza lhe descia a cabeça chegando até as pernas. As nuvens negras da noite lhe pareciam brancas como as do dia. O uniforme do guarda municipal parecia sujo. A moto rasgava o morro em direção a alguma casa. E a intimidade com o sorriso ia aumentando a cada gole, a cada trago, a cada minuto. A meia furada, o tênis rasgado na ponta, o violão devidamente afinado. Tudo pronto pro encontro mortal e devastador.

As notas começaram a aparecer quando o barulho do metrô parando na estação foi ouvido. Sentiu novamente o perfume a exalar no ar. Sentou-se rapidamente na calçada. Fechou os olhos. Sentiu os passos. Respirou profundamente. Entregou-se a criação divina.

Os passos fortes, correria na passarela, o sorriso doce cortante passeando em sua frente. O primeiro acorde, o segundo e assim a coisa aconteceu. Largou o violão de lado e foi direto ao caderninho. Pronto!, estava feito. O azedume se tornou doce, o agora virou eternidade, o céu continuou escuro e o frio mais gelado. Levantou-se tragou o último trago do cigarro fino, mais uma nova bicada na vodka. Acenou para o céu e foi embora subindo a Mármore.

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