sexta-feira, 30 de julho de 2010

A pedra

E quem de vós, parados aí na esquina, teria a audácia de chegar o dedo em minha cara e me dizer com a cara deslavada que eu não sou e nem serei - em qualquer momento desta minha vida ordinária e suja - feliz? Sim! Feliz como os corvos que passeiam por aí, ou como os abutres que ficam a esperar a merda da morte acontecer e assim celebrar a celebração da morte. E até mesmo como o rato que se deleita nos restos dos restos restados dos dejetos dos pobres e infelizes como nós. Quem de vós? Quem?

Homens fétidos, vida injusta, pessoas pútridas, menções nojentas. Vós, nós, e diria que até o algoz. Nada. Nem tudo, nem mesmo um jumento mais sortudo. Ninguém poderia riscar o dedo no espaço entre mim e tu, ou ele, e dizer escancaradamente: “Vós, meu amigo fétido, sujo e promíscuo, nunca será feliz! Maldito sois vós com todos os seus defeitos e trejeitos. Maldita é a vida que tu carregas. Maldito é o mundo que desnuda nossos corpos e coloca-nos em vitrines expostas como vacas mortas e bezerros quentes. Largue a mão de ser demente e tente, ao menos uma vez, viver como gente”

Nem mesmo depois deste sermão, irei olhar para vós com piedade. E espero, profundamente, que ao acordar não veja mais nenhum de vocês rondando minha morada. Meu invólucro da vida é meu. Meu corpo é a minha morada. Minha morada é meu templo. Meu deus é o desnudo. E assim... sumam, desapareçam e nem pensem em voltar quando queimar a próxima pedra e viajar no inferno que a vida me prometeu.

Desta maneira, ele acordou, virou para o canto, pegou o cachimbo, colocou mais uma pedra, ascendeu o isqueiro, e novamente a vida se exauria de seus pulmões.

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