domingo, 9 de maio de 2010

Da moral e dos bons costumes

Ah meu Deus!, desisto. Quero morrer! – Gritou no meio da noite e ecoou em todo ambiente.

Já velho, largado e sozinho no quarto. Com seus 35 anos de serviço militar e suas várias horas de DOPS, hoje, aquela figura ameaçadora já não existia. Agora um velho qualquer largado no palacete, que conseguiu “comprar” com dinheiro de parentes de inocentes que “ajudou” a se safarem.

O palacete comprado no final da década de 60 já não lembrava mais o tão temido Senhor DOPS. Agora estava como ele, em ruínas, pronto para finalmente desaparecer. Aquela esquina da Varginha com Pouso Alegre - onde houvera várias festanças regadas a muito uísque, coca e mulheres subversivas amarradas nas pilastras do meio da sala - hoje estava entregue à escuridão e solidão.

“Pai!, tire de mim este lamento tão sufocante!”. Mesmo sendo responsável por diversas mortes e desaparecimentos, ele se dizia fiel a Deus e à Igreja. Com tantos pecados mortais que carregava nas costas, o que mais ele queria era que seus fantasmas lhe deixassem em paz. A mesma paz que jurava entregá-los quando estavam vivos. As cobranças das mortes em nome da moral e dos bons costumes sempre o rondavam.

Agora acamado, a diabetes lhe cobrando o tempo de luxúrias, ele só pensava em encontrar seu Pai e pagar pela merda toda que fez durante sua vida. Filhos que foram arrancados do ventre das mães, filhos que foram dizimados longe de suas mães, filhos que foram gerados sem o consentimento das mães. Filhos que ele nunca teve, pois achava que seriam sua fraqueza. Alguém poderia fazer com eles exatamente o que ele fazia com os outros. E ele sabia a dor que causava. Mas tudo tinha um porquê: a moral e os bons costumes!

Teve medo quando o regime acabou, mas existia a anistia. Ficou mais aliviado quando houve a regulamentação e, mais feliz ainda, quando o STJ sacramentou o seu perdão. Mas, mesmo assim, seus fantasmas não lhe deixavam em paz. “Torturador não teve culpa, está na lei! Deixem-me em paz seus bandidos!”, tentava argumentar com os algozes cobradores da consciência que apareciam sempre para lembrá-lo dos seus atos. Atos!, afinal vivera num país governado por atos.

Os filhos sempre estavam lá. Sempre colocando um espinho acentuadamente agudo em seu corpo, em sua mente. O espírito já lhe cobrava as dores, e agora a carne pútrida também dava sinais de cansaço. Mas tudo é certo neste mundo, o lamurio iria perdurar por mais tempo que ele achava. A carne iria ficar cada dia mais fétida, o casarão iria ruir-se cada dia mais, e a solidão o perturbaria até o fim dos seus dias. E seus dias seriam cada vez mais longos e tenebrosos.

“Ah, meu Deus!, desisto. Quero morrer!”, gritou mais uma vez, e novamente não fora atendido. E assim Ele fazia o mesmo quando os filhos clamavam a ele a morte para se livrarem de suas garras. Garras da besta-fera da moral e dos bons costumes.

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