quinta-feira, 20 de maio de 2010

Morro do ABC

Morro do ABC, terra de ninguém, aliás, terra de um homem só. Este homem truculento e vingativo detém todo o poder da comunidade através da violência. Violência que também ajudou a produzí-lo.

Aos sete anos de idade, Marcelino Ferreira era apenas um pequeno, um catarrento como se dizia. Vivia correndo entre os esgotos fétidos daquele aglomerado. Viu seu pai sendo violentamente fuzilado. E como Sérgio Brito e Nando Reis escreveram em “Marvin”, o pai colocou todo o peso da família em suas costas. E isto logo as sete anos de idade. Passado alguns anos, quando estava com dez, viu a mãe sendo violentada e logo depois fuzilada por um grupo de policiais velados. O ódio do pequeno engraxate, profissão que conseguira exercer até o momento, explodiu. A pequena besta-fera que morava dentro de seu coração tomou conta de seu ser.

De engraxate virou vapor, posto que teve pequena duração, pois logo-logo virou soldado. Demonstrando muita desenvoltura com números, além de uma grande fidelidade e agradecimento a João Doido, este dono do morro, foi promovido a gerente. Assim que assumiu tal cargo sua vida mudou. Começou a aproveitar mais o dinheiro que o tráfico lhe rendia. Mulheres, carros, armas, festas e status. De Marcelino Ferreira transformou-se em Marquinho Mão Pesada. Foi agraciado com tal título, pois sempre que pegava alguém roubando na venda do produto, era castigado severamente. Dizia que tinha as mãos de ferro dos deuses da justiça. Que Xangô não escute isso.

Mas o tempo foi passando e Marquinho foi ficando ambicioso. O cargo de gerente não era nada em comparação ao de dono do morro. Arquitetou um plano malicioso e infalível para a derrocada de João Doido. E num belo domingo, como foi religiosamente planejado, João Doido é encontrado morto. Parada cardíaca. Sem traços de envenenamento ou qualquer outra coisa. Todo mundo sabia que os dedos de Mão Pesada estavam presentes naquele ataque. Afinal, Doido tinha apenas trinta e dois anos, idade tida como avançada no ramo da atividade que exercia. Pela primeira vez no morro não houve luta para decidir quem seria o novo dono. Marquinho Mão Pesada foi apoteoticamente conduzido ao cargo. Louro e glórias ao novo César, como diriam os romanos.

Desde então, o morro vivia sob suas mãos pesadas. Era necessário apenas um leve deslize para que o sujeito fosse punido. Às vezes a morte não era o bastante, era mais didático humilhar o desventurado em praça pública. Somente em casos extremamente escabrosos que a morte era utilizada.

E assim o Morro do ABC ia vivendo “pacificamente” e “harmoniosamente”, até que um dia um fato novo aconteceu...

Um novo pai fuzilado, uma mãe violentada, um filho com uma nova missão, uma caixa de engraxate abandonada...

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